quarta-feira, 20 de abril de 2011

Sessão de Q&A da Revista “Nature” (Parte 3)

Sessão de Q&A da Revista “Nature” sobre o desastre nuclear da Usina Nuclear Daiichi de Fukushima

No dia 6/Abril, às 4:00hs da tarde no horário de de Londres, a Revista científica “Nature” (uma das mais antigas e conceituadas publicações científicas do mundo) realizou uma sessão de Perguntas e Respostas on-line, sobre o desastre nuclear da Usina Nuclear de Fukushima, com o Físico Ambiental Jim Smith
A cobertura da Revista Nature sobre o desastre nuclear estão aqui . 
Desde o início, a Revista “Nature” na sua posição de revista multidiciplinar, tem feito coberturas de forma objetiva e explanado em editoriais, baseados em números que vem sendo relatados a todo momento e refletindo em exemplos passados (como Chernobyl e etc.). Os artigos se baseiam na ciência, mas está escrito não só para os cientistas, mas para o público em geral.
Nesta sessão de perguntas e respostas, a “Nature” responde às perguntas feitas pelo público, porém como as perguntas do chat passavam pelo modelador, as perguntas e repostas estão dispostas de forma legível e coerente. O chat original  aqui.  

Aqui está a Parte 1 e a Parte 2


Q&A (Parte 3)
Comentário da Kris: Tem sido relatado que as barras de combustível da unidade 1 estão expostos até 70%. E que eles estão tentando diluir a concentração de hidrogênio através da incubação de nitrogênio. Isto significa que o arrefecimento da unidade 1 tem falhado... possívelmente por acúmulo de sal (sem circulação de água). Na sua opinião qual seria o pior cenário possível para isso?
GB: Em ralação a isto, comentamos no artigo publicado alguns dias atrás  (http://www.nature.com/news/2011/110405/full/news.2011.211.html). Basicamente, se a refrigeração falhou, há possibilidade do núcleo ter se derretido parcialmente ou inteiramente e tenha caído no concreto abaixo. Isso significaria a limpeza por um longo tempo, caro e mais perigoso.
Outro perigo é que no interior do reator pode ocorrer alguma cisão transitória produtora de energia, ou que o reator poderia entrar em funcionamento, acidentalmente. Isso poderia ser um problema real (obviamente), tanto em termos de liberação de radiação quanto na gestão do acidente.
Mas no momento, a evidência de que isso tenha acontecido é muito pouco. Como eu disse anteriormente, as coisas parecem estar estáveis.
GB: Atualmente eu poderia qualificar que: nós não sabemos realmente o que está acontecendo nos reatores, mas aparenta estar estável ...
JS: Vou deixar com o Geoff

Comentário da Yuri: Você poderia explicar as semelhanças e diferenças entre Fukushima e de Chernobyl, em relação ao modelo e a velocidade de propagação das substâncias radioactivas para o solo e oceano?
BO: Jim, você escreveu um livro sobre o Chernobyl, alguma idéia para comparar estes dois?
JS: Chernobyl não afetou significativamente os sistemas marinhos - havia radioactividade no mar Báltico e no Mar Negro (ambos muito longe), mas as concentrações foram muito baixos. Em Fukushima, o sistema marinho é obviamente uma preocupação maior.
Existem semelhanças entre Fukushima e Chernobyl. Estamos preocupados, principalmente sobre os radionuclídeos - iodo e césio. Em Chernobyl, a explosão e a quebra da contenção primária espalhou "partículas quentes" numa área de aproximadamente 10 km. Assim, a zona próxima de Chernobyl foi contaminado com plutónio, estrôncio e outros radionuclídeos que são muito menos volátil do que césio e iodo.

Comentário do Brendan: Existem planos para mover o material radioativo de Fukushima, neste momento, para uma instalação de armazenamento de longa duração (há opções razoáveis)? Ou será que o material tem que ficar lá eternamente?
GB: É uma boa pergunta. Eu não ouvi de nenhum plano de como este ainda. Porém, obviamente, pelo fato do material estar num local de risco, em algum momento, eles podem querer mover o material. Mas pensando de forma realista, eles provavelmente levarão anos até que eles possam fazer qualquer coisa. Eles têm que esperar o combustível esfriar.

Comentário do Adam F: Em Chernobyl, o reator foi envolto numa espécie de túmulo de concreto. Quais são as vantagens e desvantagens deste tipo de técnica. Causariam mais danos do que benefícios em Fukushima?
GB: Eu estava falando com alguém sobre isso outro dia. O risco de um grande túmulo de concreto é que ele teria que estar lá por décadas ou até mesmo por séculos. Levando-se em conta os riscos sísmicos e outros riscos ambientais na região, eu acho que seria extremamente difícil seguir com o plano de concreta-los. Jim pode ter outras idéias.
JS: Isso faz sentido para mim. Além do mais, se começarem a concretar, tornará mais difícil o encerramento ou a resolução do caso.

Comentário do Howard: O feixe de nêutrons que tem sido reportado são sinais de cisão no local? Qual é a situação melhor e o pior considerando a liberação de nêutrons?
GB: Ah sim, o misterioso "feixe de nêutrons". Primeiramente, é quase certo de que seja um problema de tradução. É mais provável que seja uma “explosão de nêutron”. Em segundo lugar, a maioria dos físicos com os quais andei conversando, desconsideraram os relatórios sobre feixes de neutrões perto do local. Existem (cerca de) 3 razões para isso:
  1. Os nêutrons são extremamente difíceis de detectar, por isso as medições seriam difíceis.
  2. As leituras são muito baixas e podem ter sido causados pelos ruídos das radiação gama que estão em   níveis mais elevados no local.
  3. Simplesmente não faz sentido. As leituras estão longe de edifícios. É difícil de entender porque os nêutrons estariam fora do vaso de contenção, por mais que eles estejam sendo liberados.
Definitivamente, existem atividades de nêutrons nestes reatores, como resultado de fissão de outros produtos do combustível, que é certamente perigoso.
JS: Se houver fissão em curso, você poderia ver também alguma evidência de produtos de fissão de curta duração, que apareceria nos dados de monitoramento do ar e da água - Eu não vi nenhuma evidência clara disso ainda, embora eu não tenha visto muito os dados de monitoramento do ar do local.

Comentário da Aya Diab: Jim, na sua opinião, como esse acidente irá afetar o renascimento nuclear?
JS: Boa pergunta. Mas eu acho que é muito cedo para discutir essa questão e fiquei surpreendido em saber que alguns políticos já começaram a fazê-lo enquanto ainda estamos no meio de uma situação acidental.
Vou dar-lhe a minha reação imediata. Porém, eu sou um cientista ambiental e (acredite ou não) após 20 anos de estudo sobre Chernobyl, e mesmo com o caso de Fukushima acontecendo, eu ainda sou pró-nuclear. Eu acho que nós necessitamos de energia nuclear, bem como as energias renováveis para proporcionar o abastecimento de electricidade com baixa emissão de CO2 e a garantia de fornecimento de matéria-prima (urânio e plutónio) para as próximas décadas, pelo menos.

Stuart McIntosh comenta: Adicionando à pergunta de Drew Wright, você acha que os países suscetíveis a terremotos e tsunamis devem adotar outros métodos de obtenção de energia?
BO:Um seguimento à questão do “renascimento nuclear”
JS: Isso também é uma boa pergunta, mas eu a deixaria até passar por este estágio imediato após o acidente, e podemos começar a aprender as lições de Fukushima. No entanto, como o Geoff salientou, os projetos de reatores modernos são muito melhores ...
GB: Todos os reatores nucleares são construídas com alguns riscos em mente, e vale a pena apontar, que os reatores nucleares de Fukushima foram confrontados com um desastre muito pior (do que o imaginado) ao quais eles foram projetas para resistir, mas mesmo assim, sobreviveu (mais ou menos) em partes.
Como disse, penso que esta é uma questão que os reguladores e o público em muitos países terão de responder nos próximos anos. Na verdade, nós já estamos vendo debates intensos em países como a Alemanha.

Comentário da Shelby: A maioria das leituras de radiação ao redor da zona de 19 km foram feitos de maneira pouco científica, muitas vezes medidos com o carro se deslocando de um ponto a outro, não incluindo os detalhes críticos, tais como direção do vento no momento da leitura, quando precisamos ser mais exatos ou quando há grandes oscilações nas leituras, sendo as leituras altas ou baixas, elas podem ser atribuídas aos fatores como a direção do vento ou áreas de leitura extensa. Nós podemos confiar nessas leituras? Parece que só temos uma vaga idéia da dispersão de partículas radioativas sobre essa vasta área.
BO: Tem havido muita discussão sobre a qualidade dos dados disponíveis, Jim, Geoff, alguma ideia?
GB: Vou deixar Jim comentar primeiro, em seguida adicionarei comentário ...
JS: Nas fases iniciais (ou seja, quando o material contaminado está no ar), as leituras serão muito dependente de factores como a direção do vento e poderá variar muito. Mas uma vez que a radioactividade é depositada sobre o solo, a direção do vento não irá afetar as leituras. A umidade do solo poderá afetar, e percebo que nas leituras estão anotados se está chovendo ou não, mas isso não faz muita diferença. Geralmente fico feliz com os dados, mas às vezes fica difícil de interpretar, porque, como você diz, é preciso haver mais informações sobre os métodos de acompanhamento e etc. Isto pode ser um problema de tradução - talvez a versão japonesa é mais completa.
GB: O Departamento de Energia dos EUA fez um levantamento com os aviões, que fornecem uma boa imagem de como a radiação se espalhou. http://blog.energy.gov/content/situation-japan/
Além disso eu acrescentaria que, para ser justo, esta é uma situação muito difícil. É fácil questionar os japoneses, e de fato vale a pena fazê-lo em muitos casos. Mas não devemos esquecer que, especialmente imediatametne após o tsunami, a instrumentação está limitada, bem como o acesso à região.
BO: Nós estamos quase fora do tempo, assim só mais algumas eu acho. Em primeiro lugar para o Jim.
JS: Eu concordo com Geoff sobre isso - eu não iria criticar os japoneses sobre o que eles tem fornecido.

Comentário da Claire Cailes: Como será o risco de câncer decorrente da exposição à contaminação radioativa de Fukushima, comparados ao risco de outros tipos de câncer, tais como o tabagismo.
JS: Certamente muito mais baixo. Como exemplo, a dose de radiação nos trabalhadores de limpeza de Chernobyl foi de cerca de 100 mSv em média. Isso se traduz em um adicional de risco de cerca de 0,5-1% de câncer fatal, na vida futura. Os fumantes contínuam com cerca de 50% de chances de morrer de uma doença relacionados com o tabagismo.

Comentário da Chris Pook: Há muitos dados lá fora, e os japoneses estão fazendo absolutamente tudo o que há de disponíveis, mas a grande diferença é a linha de interpretação e de tendências, e o mais importante, como isso se traduz em Decisões regulamentares, por exemplo, para produtos alimentícios. Alguma reflexão sobre os melhores parâmetros para tomar essas decisões?
BO: Jim, quais os tipos de informações os formuladores de políticas precisam para tomar essas decisões importantes?
GB: A única coisa que eu diria é que eu tenho notado um problema real, na forma como a imprensa tem noticiado sobre a crise: eles tendem a dar valores de pico. Especialmente porque o perigo da radiação depende da exposição ao longo do tempo, e não acho que esses números sejam sempre muito úteis. De fato, uma leitura baixa, porém constante pode ser mais perigosa do que um pico breve.

GB: Além de que, provavelmente seja melhor o Jim responder esta pergunta.
JS: Sim, existem limites de referência para a radioatividade em caso de acidente nuclear. Então, há limites que estão sendo usados pelo Japão para checar os seus alimentos. Mas esses são difíceis de interpretar, como diz o Geoff, o que torna aberta a uma interpretação errada pela mídia.
Porém, uma tendência importante que está surgindo a partir dos dados, é que as taxas de dose de radiação externa nas áreas contaminadas estão caindo rapidamente nesta fase inicial, porque os isótopos de meia-vida curta - Te-132 e I-131 estão decaindo.

BO: Então a última pergunta.

Comentário do Ian: Existe algum observatório internacional que fiscaliza as centrais nucleares ou essas inspeções estão sob controle regulamentar nacional? Evidentemente, não parece ter sido uma falta de visão sobre os riscos, que talvez poderiam ter sido previstos.
BO: Geoff, Jim o que pensam a respeito de coordenação internacional?
GB: A Agência Internacional de Energia Atômica(IAEA) tem autoridade para inspecionar reatores nucleares civis, mas o principal objetivo é para se certificar de que não estejam sendo utilizados para o desenvolvimento de armas nucleares ou outros fins secretos. Imagino que no rescaldo deste acidente, algumas pessoas irão perguntar se a sua autoridade deve ser ampliada.
JS: Era justamente o que ia comentar.
GB: No entanto, em última instância, sendo para o melhor ou para o pior, a segurança deverá permanecer enquadrados nas mãos dos reguladores nacionais.
BO: em, isso é tudo que temos para o momento. Obrigado a todos por participarem. Espero que isto tenha sido útil. E lembre-se, você pode encontrar toda a nossa cobertura de Fukushima aqui: http://www.nature.com/news/specials/japanquake/index.html

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